Esqueça a ideia do restaurante com talheres de prata, toalhas de linho, carta de vinhos com rótulos caríssimos e uma tropa de garçons servindo e paparicando os clientes. O mais novo objeto do desejo de gastrônomos é o oposto disso. Chama-se Noma e fica na Dinamarca, no térreo de um armazém do século XVIII, num cais no porto de Copenhague. O restaurante ganhou fama após receber, em 2010, o prêmio de o melhor restaurante do mundo, conferido pela revista inglesa “Restaurant”, que publica o S. Pellegrino World’s 50 Best, o ranking mais aguardado pelo meio gastronômico. E agora em 2012 foi reeleito pela 3º vez como o melhor restaurante do mundo. O responsável pela façanha, o chef dinamarquês René Redzepi, desbancou, aos 32 anos, lendas como o espanhol Ferran Adrià, do El Bulli, e o inglês Heston Blumenthal, do The Fat Duck. O que tem, afinal, o Noma para causar furor culinário mundo afora?
Nada é óbvio no Noma. A elegância discreta é o tom do ambiente. Apenas quarenta lugares no salão quase todo em madeira: nas vigas e no piso escuro e polido, além de no desenho simples de mesas e cadeiras com encosto de couro e peles de ovelha. Nada de musica. Sobre as mesas, nada de toalhas nem talheres. Só copos, pratos, vasos de flores e velas, que permanecem acesas durante todo o dia, ainda que no verão os imensas janelas de vidro tragam luz natural abundante até por volta de 23 horas. Nada, a não ser a comida, disputa atenção com a vista para o Canal de Nyhavn, margeado de prédios coloridos. “Em que outro lugar é possível enxergar a parte exterior do restaurante a partir da cozinha, sabendo que tempo faz lá fora?”, pergunta, de maneira retórica, Redzepi. “Os cozinheiros precisam ter sempre contato com o entorno.”
É no entorno mora o segredo da cozinha do chef dinamarquês. Redzepi fez da sua bandeira gastronômica a valorização de ingredientes locais, numa receita que mistura sabores nunca antes imaginados recheados com o discurso da sustentabilidade. Ele vasculha a região onde vive, em busca da próxima inspiração. Receitas de foie gras passam longe do cardápio, não usa azeite, já que não são produzidos na Dinamarca, mas não faltam banha de porco, toucinho, algas, vieiras, camarões, folhas de azedinha, entre tantos outros ingredientes locais que ganham significado diferente na cozinha inventiva desse chef. As exceções são café, chocolates e vinhos. Esses últimos vêm da França, Itália, Espanha, Alemanha e Áustria.
O chef René Redzepi e a fachada do Noma, localizado num cais no Porto de Copenhague
Surpreender além da comida é o que o chef gosta. Ele próprio e seus 25 cozinheiros, de várias nacionalidades, se encarregam de servir os pratos, explicando, em inglês perfeito, a melhor maneira de degustá-los. Para começar, nada de talheres. Trata-se de uma forma de propor o resgate das origens, valorizar o contato com o alimento. E, enquanto você aguarda a primeira sugestão, eis que um dos funcionários aponta para o vaso à mesa e diz: “Pode começar”, isso mesmo, as flores são o primeiro aperitivo. No miolo, um escargot se revela sobre a rémoulade (molho à base de alcaparras, pepino, maionese e ervas). Chega à mesa, também, um ovo de porcelana. Quando aberto, faz evaporar uma nuvem de fumaça que até então envolvia dois ovos de codorna em conserva. Mais: peixinhos finlandeses equilibram-se dentro de bolinhos de massa de panqueca. Assim que você começa a se familiarizar com as propostas, tem início o momento mais inusitado da refeição. Camarões vivos são servidos em vasinhos de vidro cheios de gelo. Tomado do espírito bárbaro, é preciso besuntar o crustáceo no molho de manteiga e dar-lhe uma mordida fatal.
Ingredientes em seu máximo frescor, é a proposta de René Redzepi.
Três meses, aliás, é força de expressão: esse é o tempo médio de espera, pela confirmação de ter a reserva confirmada. Diariamente, centenas de pedidos pipocam do mundo inteiro, e, em se tratando de apenas doze mesas, é impossível atender todos os interessados. Os contemplados desembolsam cerca de 340 reais pelo menu com sete etapas (ou 430 reais, por doze pratos). Não existe serviço à la carte no Noma.
Depois dos aperitivos, aí, sim, vêm os talheres. E você se questiona se são, de fato, necessários a esta altura. Vieiras desidratadas parecem pétalas, servidas como chips sobre creme de agrião ao molho de tinta de lula. Uma ostra apresentada com água do mar repousa sobre uma cama de algas. Cru, o filé-mignon, cortado na ponta da faca, é coberto por folhas de azedinha colhidas pela própria equipe. O aipo assado na manteiga de leite de cabra é oferecido sobre trufas negras da ilha sueca de Gotland. E no final, frutas vermelhas e beterrabas cortadas como pétalas, cobrem um filé de cervo, combinação dos deuses. E chega a sobremesa. Uma delas com o nome de “um passeio na floresta”: uma bola de sorvete de mirtilo servida com a fruta in natura, croûtons de brioche, folhas de azedinha, tomilho e granita de pinheiro (espécie de raspadinha verde).
Peixes filandeses dentro de bolinhos feitos com massa de panquecas.
Depois da bela experiência gastronômica que leva umas quatro horas, há quem ame e quem odeie o Noma, com tantas surpresas. Redzepi sabe disso. “Em alguns dias, você só quer fazer seu trabalho, sem grandes preocupações. Mas aqui nunca é possível”, declara. “Por isso, quando algum cliente comenta que não gostou, não nos ofendemos. Porque existe uma diferença entre fazer o melhor e fazer realmente o melhor. E damos nosso máximo, absolutamente todos os dias." Sem dúvidas!
Jan Simonsen.
Mads Damgaard.
O único lugar do restaurante com música, em volume suave, de jazz a bossa nova: o bar.
Salão do Noma.
A simplicidade linda e austera do Noma.
Copenhagem.
Copenhagem - Tivoli Park.
Canal de Nyhavn.