Nascido no Recife, Gilvan José Meira Lins Samico era o penúltimo de seis filhos de um casal de classe média do bairro de Afogados. Na adolescência, depois de dois empregos frustrados, o pai percebeu a aptidão do filho para a ilustração e o levou ao professor, pintor e arquiteto Hélio Feijó.
Samico iniciou-se na pintura como autodidata, influenciado pelo expressionismo de artistas como Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo, mas atualmente é conhecido por suas meticulosas xilogravuras, inspiradas na temática e estilo da gravura popular do nordeste do Brasil.
Em 1948, começa a frequentar a Sociedade de Arte Moderna do Recife. Em 1952, funda, juntamente com outros artistas, o Ateliê Coletivo da Sociedade, idealizado por Abelardo da Hora. Em 1957, estuda xilogravura com Lívio Abramo, na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna de São Paulo. No ano seguinte, estuda gravura com Goeldi, na Escola Nacional de Belas Artes, na cidade do Rio de Janeiro.3 Em 1968, recebeu o prêmio viagem ao exterior no 17º Salão Nacional de Arte Moderna do MAM-RJ e permanece por dois anos na Europa. Em 1965, fixa residência em Olinda. Leciona xilogravura, arte que usa a madeira como suporte dos desenhos, que são posteriormente impressos em papel, na Universidade Federal da Paraíba.
Em 1971, convidado por Ariano Suassuna, passa a integrar o Movimento Armorial, voltado à cultura popular. Sua produção é particularmente pela recuperação do romanceiro popular e pela literatura de cordel. Suas gravuras são povoadas por personagens da Bíblia, de lendas e por animais fantásticos, com reduzido uso da cor e de texturas.
Os quarenta anos de gravura do artista foram comemorados em 1997 com importante exposição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro.
Samico tem obras no MoMA de Nova Iorque, e participou duas vezes de Bienal de Veneza tendo sido premiado em uma delas.
Ferreira Gullar em seu livro Relâmpagos dedica um capítulo inteiro para tratar da obra de Samico que começa assim:
É uma linguagem clara, límpida, mas plena de ecos. Ela é assim jovem e arcaica. A linha, que Samico traça, para definir as figuras é também expressiva em si mesma como linha, tem intensidade e melodia. É uma gravura sem truques, sem retórica, sem falsas emoções. É tudo gráfico: o que está ali está ali, à nossa vista.
—Ferreira Gullar, Relâmpagos, p.1275
É exaltado por Ariano Suassuna ao dizer:
"É, então, por ter encontrado seu caminho dentro da maravilha que é a arte popular brasileira, que o mundo de Samico aparece com tanta força e novidade, harmonizados, nela, todos os contrastes e violências."
Logo depois, ele viria a ser um dos maiores gravadores do país e finalmente podia trabalhar sobre sua madeira favorita, a Pequiá-Marfim, uma espécie mais dura, que não cede aos cortes.
O nordestino e internacional Samico, riscou figuras mitológicas, personagens bíblicos e populares, provenientes de lendas e narrativas, além de animais e seres fantásticos, como dragões, sereias e leões. Sua xilogravura acabou por se tornar a marca visual do chamado Movimento Armorial, criado por Ariano Suassuna para produzir uma arte baseada na cultura popular nordestina, como a literatura de cordel.
Samico produzia sem pausas, mas sem pressa - sua cota, como dizia, era de uma gravura por ano. “Minha composição começa no desenho e só vou para a madeira depois que esgoto as possibilidades no papel.”.
Ariano Suassuna o descreveu como “mestre de si mesmo e discípulo de ninguém”, Samico criou uma obra universal e singular ao mesmo tempo, como diz George Kornis, um dos maiores colecionadores de gravuras do país. "Ele era um intelectual nordestino e mundial - diz Kornis, que era amigo do artista desde 1980. "Ele era internacional sem aspas, um pernambucano que podia ter feito a opção de morar no Rio ou em São Paulo, podia ser um artista residente em qualquer lugar do mundo, mas preferiu morar em Olinda, numa linda casa com a mulher e os filhos. Para ele, o importante era a obra. Era recluso, monástico, austero e dedicado ao trabalho, de uma elegância e coerência singulares.
Weydson Barros Leal, escritor e crítico, amigo do gravurista havia 30 anos, registrou as conversas que ambos tinham na cozinha do casarão (que Samico chamava de “castelo”) em Olinda. As imagens de obras e os diálogos, foram publicados em 2011 no livro “Samico”.
"A grande marca dele era uma alegria riscada por uma melancolia permanente. Era o homem de uma alegria melancólica, e não eufórica. Era aquela alegria que tinha uns pontinhos de tristeza - lembra Weydson Leal.
Rubem Grilo, gravurista: “Samico tinha um universo extremamente singular, construído com a técnica da xilogravura. É um dos maiores representantes da técnica no Brasil. Tem uma obra muito profunda do ponto de vista do mergulho no imaginário da região, com um requinte e sofisticação inigualáveis. Além disso, era uma das pessoas mais íntegras que eu já conheci. Ele era extremamente desprovido de vaidades inúteis, ao mesmo tempo em que era muito correto com sua vida e seu trabalho - comenta Grilo.
O grande artista recifense Gilvan Samico e sua esposa Célida.
Gilvan Samico, faleceu ontem no Hospital Português do Recife, aos 85 anos e deixa a esposa, Célida, dois filhos, três netos e um desenho pronto no ateliê, à espera de ser gravado em madeira.