domingo, 17 de novembro de 2013

ALEX CERVENY - MAR INTERIOR::23/11::CASA TRIÂNGULO::SÃO PAULO-BRASIL.


Guarânia da Baía Vermelha
Por Marcio Harum

Como as cheias do Pantanal Mato-grossense, a exposição Mar interior contou quase com o número de meses que se completa o ano para estar inteiramente formada. Nesta mostra, Alex Cerveny exibe por volta de cinquenta trabalhos, entre pinturas e desenhos, realizados sob forte inspiração de sentidos acerca do que é a pujança visual da bacia do Rio Paraguai, essa localidade ilhada entre o Brasil e a Bolívia, região de infinitas áreas alagadiças, um mar sem costa, sem maré cheia ou vazante, mas de margens que borram lenta e constantemente o mapa do centro sul-americano. Na busca talvez de um oceano, o Atlântico, vê-se aqui, portanto, como sobrevoadas de monomotor marcaram o artista durante o período de intenso trabalho, em que barqueou através de sistemas hidroviários, deu aulas de arte para crianças em um projeto educativo e pode explorar a cavalo um pouco da região da Serra do Amolar, próximo a Corumbá (MS).

São dois grupos de obras de dimensões variáveis que compõem a mostra- os “hidrográficos”, que na ponta do pincel da associação poética, apresentam gestos rápidos, baseados em registros de memórias, pessoas, lugares e momentos ali vividos no entorno pantaneiro- finas aquarelas negras sobre papel branco levíssimo. Desenhos que reavivam fluxos de navegação do eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná, esse corte hidrográfico ao longo de 3500 km, símbolo do programa de integração continental, que atravessa ao meio a América do Sul. Despontam nessa série figuras de seres metamorfoseados em homem-peixe e duelos de animais complementares- contraditórios, como os do homem versus jacaré, firmando assim, pela imaginação do artista, o caráter da exposição. Com a intuição na mira de certos aspectos da cosmogonia guarani, Cerveny faz evocar com Mar interior, sobretudo, a origem do mundo e os fenômenos do surgimento da condição humana em meio a natureza selvagem.

O segundo agrupamento é constituído de cinco desenhos maiores, em que aguadas de fundo azul mancham o peso da gramatura do suporte em papel. Uma fina tinta preta de traços suavemente delineados, e também pelo uso das folhas de prata, caracterizam a série, como se houvesse sido criada por delicados acordes ancestrais de uma harpa cosmológica, ao extroverter em sua grandeza e fragilidade uma rara visão interior sobre a gênese do universo, em que estrutura e evolução parecem ser respostas diretas as tentativas de apreensão dos métodos para o estudo dos sonhos.

No conjunto de obras em exibição, ainda estão incluídas duas pinturas fortes de paisagem noturna, feitas à oleo sobre a semi-transparência do linho. A sós, em meio a natureza, uma índia e um índio, representando em separada oposição cada uma das duas margens de um mesmo rio, sugerem como figuras deslocadas e postas na contra-ordem do pensamento cronológico, repensarmos a impossibilidade real dos encontros, principalmente aqueles que tem sido mediados por toda sorte de anteparos digitais, o que faz a vida desembocar na falta de espontaneidade, a que estamos absolutamente sujeitos nos dias de hoje.

Mar interior suscita os antigos conhecimentos à respeito do significado da “Terra sem Mal”(Ivy marãey), em que nas tradições tupi-guarani, indivíduos e grupos que abandonam suas aldeias e saem na contramão, em busca de uma superação ambivalente, rejeitando a ordem do convívio social, sem precisar de fato da morte como passagem para tal feito, alcançam essa força de transformação pela prática de exercícios migratórios e de caminhadas sem rumo, em que, ao deixarem para trás a coletividade da aldeia e o peso de ser homem, sofrem de uma transmutação de homens em deuses, conquistando sua entrada para habitar enfim, a “Terra sem Mal”.


Guarania of the Red Bay
By Marcio Harum

As the floods of the Pantanal in Mato Grosso, the exhibition Inland Sea counted on nearly the number of months in a year to be fully formed. In this exhibition, Alex Cerveny displays around fifty works, including paintings and drawings, having been done under strong sensitive inspiration about what is the visual strength of the Paraguay river basin, this isolated location between Brazil and Bolivia, endless wetlands region, shoreless sea, without high or low tide, but of margins that blur slowly and steadily the Southamerican map. In search of perhaps an ocean, the Atlantic, one sees here, therefore, as single engine airplane flights over a period of intense work, in which the artist navigated through waterway complexes, gave art lessons to children in an socio educational project and explored some of the region of Serra do Amolar, near Corumbá (Mato Grosso do Sul) on horseback.
There are two groups of works, of varying dimensions, that compose the exhibition - the "hydrographics", which in the brush tip's poetic association, feature quick gestures based on records of memories, people, places and moments there lived around the pantaneiro locale- thin black watercolors on light white paper. Drawings that rekindle navigation flows of the Paraguay-Paraná waterway system, this hydrographic path over 2175 miles, symbol of continental integration program, that runs through the middle of South America. In this series, figures metamorphosed into man-fish and duels of complementary-contradictory animals, like man versus alligator, stand out confirming, by the artist's imagination, the character of this exhibition. Aiming at certain aspects of guaraní cosmogony, Cerveny evokes with Inland Sea, instinctively, the origin of the world and the phenomenae of emergence of the human condition amid wilderness.
The second group is made up of five larger drawings where blue background washes stain despite the paper's thickness. A thin black ink, with softly outlined strokes, and the use of silver leaves mark the series, as if they had been created by delicate ancestors chords of a cosmological harp, revelaing, in its grandeur and frailty, a rare inner vision about the genesis of the universe, in which structure and evolution seem to be direct answers to the attempts of apprehension of methods for dream interpretation.
Among the works on display, there are two strong paintings of nocturnal landscapes, made with oil paint on translucent linen. Alone, in the midst of nature, a pair of South American Indians, man and woman, represent, in separate opposition, each of the two banks of the same river, being suggested as displaced figures and put on counter-order of chronological thinking, making us reevaluate the actual impossibility of meetings, especially those that have been mediated by all manner of digital apparatuses, which make life result in a lack of spontaneity, to which we are absolutely subject these days.
Internal Sea raises the ancient knowledge regarding the meaning of "Land without evil" (Ivy marãey), in which, in Tupi-Guarani traditions, individuals and groups searching to overcome, rejecting the collective order, and practicing migratory exercises, have abandoned their villages to go against the grain, without need of death as passageway for becoming gods themselves, therefore winning their entry, at last, to the "land without evil".


Casa Triângulo
Rua Pais de Araujo, 77 - 04531-090 - São Paulo